Foto e Grafia

Eu só queria um sabonetinho roxo

Sabe aqueles dias em que você precisa encontrar inspiração antes de adentrar o ambiente de trabalho e pegar no batente? O que vou contar aconteceu num desses dias.

Saltei do ônibus do condomínio e foi fácil escolher aonde iria me energizar durante um período curto para fazer a atividade laborativa render mais depois. Entrei numa loja tradicionalíssima, que recentemente investiu na imagem de seus produtos, acrescentando beleza e charme à consolidada qualidade de décadas.

Abri a larga porta de vidro da entrada e respirei fundo diante de um estabelecimento amplo, bem decorado e acima de tudo cheiroso. Então, uma tarefa especial me veio à mente: comprar um sabonete de barra oval e roxo para o banheiro social, a fim de combinar com um arranjo de flores em tons de lilás, singelo mas cheio de personalidade, que mandei fazer usando como base uma garrafinha de leite de coco, ingrediente de uma das sobremesas do Natal passado.

A loja tinha pouquíssima gente, pois ainda eram 9 horas da manhã. Dei uma olhada em tudo ao meu redor e me lembrei de que o sabonete líquido que uso é de lá e estava acabando. Peguei-o. Mas precisava de ajuda para atingir meu verdadeiro objetivo.

Tentei identificar uma vendedora, mas só vi duas meninas atrás do caixa. Não queria incomodá-las, a não ser em último caso. Aí prestei mais atenção e percebi que uma das mulheres perto das poucas clientes no interior da loja não mexia em nada. Aproximava-se dos produtos e se afastava pouco depois. Fiquei sem graça de perguntar se era vendedora dali, porque já fiz isso algumas vezes com pessoas de camiseta da mesma cor da roupa dos vendedores e é claro: não trabalhavam lá. É um mico violento.

A moça não usava uniforme nem qualquer plaquinha, crachá ou bottom. Vestia uma bonita e bem passada blusa branca de preguinhas e me olhou discretamente uma vez. Na segunda encarada, tomei coragem.

Perguntei:

– Você trabalha aqui?

Ela balançou a cabeça indicando que sim.

Em seguida indaguei:

– Você tem algum sabonete oval roxo?

A então revelada vendedora pensou por dois segundos e respondeu:

– Não.

Inconformada, insisti:

– Nem aqueles embrulhadinhos em papel roxo?

Ela, ainda sem muita expressão, afirmou sem sombra de dúvida:

– Não. O papel é roxo, mas o sabonete é branco.

Pensei, que pena. Como ainda tinha alguns minutinhos de pré-labuta, agradeci a colaboração e fiquei mais um pouquinho apreciando o local estiloso e sossegado, fazendo lembrar as farmácias de outrora, que nem conheci, escritas com “ph”, de pé direito alto e embalagens de vidro que hoje, disputadíssimas, só figuram nas prateleiras dos antiquários a peso de ouro.

De repente, mudei a direção do olhar e avistei o objeto do meu desejo daquela manhã. Lá estava ele, quase pulando em cima de mim, que não me dei por vencida, e da vendedora, de quem não posso falar a mesma coisa: o sabonete roxo e ainda por cima oval. Ou seja, ele existia. Eu tinha entrado na loja certa. Minha intuição não me enganara.

Foi impossível conter a emoção e exclamei quase extasiada:

– Achei um!

A vendedora, que até aquele momento não esboçara o mais mínimo sorriso, perdera sua chance e agora só teria estímulo para mostrar os dentes se rosnasse para mim. Pela sua enigmática expressão, notei que minha descoberta não tinha feito bem a seu espírito. Todavia, ela não perdeu a pose e apresentou a seguinte justificativa para sua distração ou falta de interesse ou sono ou sei lá o quê:

– Ah, sim. Mas essa é a linha infantil.

Pausa para reflexão: em algum momento eu pedi sabonete para adulto? Fui subjetiva, indecisa e prolixa ao pedir um sabonete oval roxo? Será que eu tinha que desenhar para me fazer entender?

Respiração. Calma, você consegue… Dei um risinho e me dirigi ao caixa sem dizer mais nada.

Afinal, o dia seria maravilhoso e um começo tão cheio de pequenas alegrias não se deixaria abater por um detalhe. Quem sabe ela também não estivesse precisando da mesma coisa que eu: de se energizar positivamente antes de entrar no emprego?

Faltou só uma informação. O sabonete era de lavanda, exatamente a flor do meu arranjo, não é o máximo? O banheiro ficará enfeitado e com o perfume próprio da espécie artificial quase perfeita que morará a seu lado, conferindo-lhe um toque especial.

Missão cumprida. Agora, deixem-me trabalhar feliz.

1 comentário em “Eu só queria um sabonetinho roxo”

  1. Claudinha,

    Amei o blog!!!
    Tá tudo lindo e pelos detalhes percebe-se que foi feito com muito carinho.
    Considero-o um presente a todos nós que gostamos do jeito como você conta suas histórias cotidianas e as transforma em lindas crônicas, além de muito divertidas, claro! Não esquecendo do destaque à fotógrafa que existe em você!!
    Adorei essa forma de me sentir mais pertinho de você e poder dar muitas risadas contigo.
    Parabéns!!
    Bjos,
    Elaine

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