Foto e Grafia

Obra perfeita só a divina

Analisando bem direitinho, tanto o estado geral do apartamento como a grana disponível após a negociação, dava para eu me mudar para a nova residência sem fazer nada…

Seria a decisão mais equilibrada, pensei.

Aí, você começa a ganhar intimidade com o pedacinho de chão. Aumenta o número de visitas ao imóvel; cada qual com uma finalidade própria, distinta, legítima. Quer que ele tenha a sua cara, que nem um filho.

Primeiro, firme na convicção de que só gastará com o mínimo existencial, faz uma vistoria, tendo como norte o seguinte princípio: o que é impossível deixar para depois?

Mudar os assentos sanitários, que eu desavisadamente chamei de tábuas de vaso numa loja imensa de materiais de construção e fui alvo de olhares espantadíssimos lançados pela vendedora, veio encabeçando a lista de modo intuitivo.

As portas dos boxes também não poderiam ser aproveitadas, pois o mecanismo que precisava de reparos era muito diferente do usado nos dias de hoje, a impedir a mera reposição de peças, inexistentes a esta altura.

E, por último, a troca dos segredos das fechaduras das portas.

Meu autocontrole era de dar inveja. É claro que tais providências caberiam com folga no mais apertado dos orçamentos, inclusive no meu.

Tudo ia bem, até que o minidemônio da reforma atentou-me o juízo com o tal do Split.

As modernas máquinas de refrigeração de ar, consideradas mais eficientes e menos perigosas que os tradicionais aparelhos de ar condicionado, demandariam o famoso e temido quebra-quebra.

De outro lado, visivelmente mais fraco, sussurrava o anjo da tranquilidade e da acomodação:

-Filhinha, as paredes já têm os buracos prontos para os aparelhos comuns. Basta comprar uns novos e substituir. Foram ultrapassados, porém funcionam. Sem poeira, sem barulho, sem obras…

A voz doce e sensata parecia se distanciar a cada palavra e de repente me vi contratando alguém para coordenar os trabalhos e dar início à re-for-ma.

Logo, passei a sentir uma saudade imensa do silêncio e mansidão do apê vazio, cheio só de sonhos e desocupado de entulhos, de homens andando em grupos e armados de picaretas, marretas, furadeiras e serras elétricas, esburacando todas as paredes em busca de um lugar sem vigas para a instalação das unidades internas dos splits.

A propósito, aprendi que eles (os splits, não os homens) vêm em duplas e necessitam de dois tipos de dutos para funcionar: um para a gigantesca unidade externa conduzir o gás para a unidade interna que, então, expele o ar gelado no ambiente e outro para eliminar o aguaceiro que o sistema provoca. Tudo isso ocorre dentro das paredes. Mais detalhes sórdidos sobre o tema, só fazendo outro artigo.

Bem, da experiência de encarar uma “pequena reforma”, nasceram as seguintes verdades absolutas:

Não existe reforminha. Qualquer pequena reforma será uma grande reforma.

Toda reforma atrasa. Ponto.

Uma coisa puxa a outra. Às vezes, arrasta…

Seu orçamento no início é, na melhor das hipóteses, a terça parte do orçamento final.

Uma equipe conserta e a outra destrói, numa espécie de coreografia infinita.

Obra não acaba; você desiste dela.

Após uma reforma, seu novo hobby passa a ser “Faça você mesmo e encontre a Paz”.

Nem pense nisso com você morando no palco desse balé, encenado no meio de uma poeira branca constante e suspensa no ar, a gerar um ímpeto insano de tentar abrir caminho com uma faca.

Você vai sobreviver. Sua casa ficará linda, suas mãos pararão de tremer, os pesadelos ficarão espaçados, por uma “obra” divina seu saldo zero se despedirá e será inevitável declarar que valeu a pena. Mas antes disso, prepare-se! E depois não diga que eu não avisei.

2 comentários em “Obra perfeita só a divina”

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